9 de set. de 2004

Dicas aos eleitores

É ano eleitoral, e a história se repete: demagogos (que se dizem defensores dos interesses populares, em especial das classes baixas, e prometem coisas irrealizáveis), populistas (que buscam as simpatias das classes baixas por meio de "direitos sociais"), oportunistas (que se valerão do cargo público para obter vantagens) e despreparados (que não possuem qualificação para ocupar o cargo público), para não falar nos sujos (que emporcalham a cidade com cartazes, pichações e coisas do gênero) e barulhentos (que nos obrigam a ouvir musiquetas estridentes, sem o menor respeito por nossa privacidade), todos esses aí querem, custe o que custar, ser eleitos. Tais tipos, obviamente, não merecem o voto do eleitor. Este, contudo, pergunta: em quem votar, já que a maioria dos candidatos se enquadra naquelas categorias? Generalizações são injustas, e regras comportam exceções. Sobre estas exceções o eleitor deve se informar, em especial sobre certos atributos dos candidatos que determinarão como será seu mandato:

O primeiro atributo é a honestidade, que no homem público deve ser inatacável. Pois não só a moralidade e a legalidade são princípios aos quais deve obedecer cegamente o futuro administrador público, bem como o cotidiano deste implicará situações freqüentes em que sua honestidade será posta em prova. Embora a Constituição Federal não se refira expressamente à honestidade como requisito de elegibilidade, tal podemos inferir quando aquela afirma que a lei estabelecerá "outros casos de inelegibilidade..., a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para o exercício do mandato, considerada a vida pregressa do candidato". Assim, o eleitor deve buscar informações sobre a "vida pregressa" do candidato, evitando, contudo, fontes imparciais ou suspeitas.

O segundo atributo é a competência. Noções de direito, contabilidade, administração, economia e outras ciências afins serão úteis ao cotidiano do futuro administrador público, repleto de situações em que o conhecimento de tais ciências será necessário ao regular desempenho do mandato. Aliás, a lei deveria obrigar os candidatos a realizarem concurso público, para que fossem avaliados seus conhecimentos técnico-científicos nas matérias relacionadas ao exercício do cargo público pretendido. Somente estariam aptos a disputar as eleições aqueles que demonstrassem deter conhecimentos mínimos naquelas matérias. Tal medida evitaria que multidões de incompetentes concorressem aos cargos públicos, desde já melhorando a qualidade das eleições. Atualmente, basta que o candidato leia um textozinho qualquer e rabisque algumas palavras para ser considerado alfabetizado, o único requisito concernente à competência que a lei exige. Esses abusos da democracia tendem justamente a enfraquecê-la, principalmente porque a maioria dos que votam e dos que são votados possuem baixa instrução. Assim, um pouco de aristocracia, a fim de mitigar os excessos da democracia e melhor qualificar os futuros administradores públicos, não faz mal.

O terceiro atributo é a sensatez e prudência. Um candidato sensato e prudente é aquele que saberá adequar os poderes que a ele são conferidos pela lei com as reais necessidades da sociedade; é aquele que sabe que, quanto maior o Estado, mais ineficiente será e mais caro será mantê-lo; é aquele que sabe que, quanto mais "direitos sociais" forem conferidos, mais dependentes do Estado e menos dispostas ao trabalho serão as pessoas; e por aí vai. Assim, e a título de exemplo, um candidato sensato e prudente não faz promessas irrealizáveis, não só porque as promessas de hoje podem ser os impostos de amanhã, bem como pelo fato de que os orçamentos públicos já são limitadíssimos; não tentará impingir à sociedade medidas absurdas e desprovidas de qualquer razão, como, a pretexto de combater preconceitos e discriminações, adotar políticas baseadas na raça ou na opção sexual das pessoas; não prometerá criar mais órgãos públicos para isso ou para aquilo, como se já não os tivéssemos em excesso; e por aí vai. Enfim, se a lei confere ao administrador público poderes maiores do que aqueles conferidos ao particular, para que aquele realize o bem comum, tais poderes hão de ser exercidos com prudência e sensatez, ou teremos tiranos disfarçados de democratas.

Alguns podem me acusar de idealizar o "político perfeito" (embora eu saiba que eles são feitos de carne e osso), mas em verdade busco instigar o espírito do "eleitor perfeito", aquele que pondera bem antes de escolher os futuros administradores públicos. Se eles pretendem ocupar os cargos públicos mais elevados de nossos municípios (ou dos Estados ou da União), é natural que o eleitor deles exija honestidade e probidade, preparo, sensatez e prudência, firmeza etc. Quanto mais rigoroso o eleitor, mais acertado será seu voto. Eis um excelente meio de evitar decepções pelos próximos 4 anos. Em não havendo candidatos que se enquadrem em tais exigências, busque o "menos ruim". Ou anule o voto, pois o eleitor é obrigado a votar, mas não a eleger.

8 de jan. de 2004

Sete milhões de mortos no Holocausto "esquecido"

Republicado em inglês como "Stalin and the Ukranian Massacre" em http://www.lewrockwell.com/margolis/margolis45.html

Por Eric Margolis

Tradução: Daniel Freixieiro Sampaio

Cinco anos atrás, escrevi sobre o esquecido Holocausto na Ucrânia. Fiquei surpreso ao receber várias mensagens de jovens americanos e canadenses de origem ucraniana me revelando que, até lerem minha coluna, nada conheciam sobre o genocídio de 1932-33 no qual o regime de Josef Stalin matou sete milhões de ucranianos e enviou outros dois milhões para campos de concentração. Como, perguntava eu, poderia tal amnésia histórica afligir a tantos? Para judeus e armênios, os genocídios que seus povos sofreram são lembranças vivas que ainda influenciam seus cotidianos. Mesmo hoje, no 70º aniversário da destruição de um quarto da população ucraniana, aquele crime gigantescoquase desapareceu no buraco negro da história.

O mesmo ocorre com o extermínio dos cossacos do Don, pelos comunistas, na década de 1920, dos alemães do Volga em 1941 e as execuções em massa e deportações para campos de concentração de lituanos, letões, estonianos e poloneses. Ao final da Segunda Guerra, os "gulag" de Stalin mantinham 5,5 milhões de prisioneiros, 23% deles ucranianos e 6% bálticos.

Quase desconhecido é o genocídio de dois milhões de muçulmanos de povos da ex-URSS: chechenos, inguchétios, tadjiques, tártaros da Criméia, basquires e casaques. Os guerrilheiros que lutam pela independência da Chechênia e que hoje são rotulados de "terroristas" por Estados Unidos e Rússia são netos dos sobreviventes dos campos de concentração soviéticos. Adicione-se a esta lista de atrocidades esquecidas o assassinato, na Europa Oriental, entre 1945 e 1947, de pelo menos dois milhões de alemães étnicos,a maioria deles mulheres e crianças, e a violenta expulsão de mais 15 milhões de alemães, quando dois milhões de meninas e mulheres alemãs foram estupradas.

Dentre estes crimes monstruosos, a Ucrânia aparece como a maior vítima em termos de números. Stalin declarou guerra ao seu próprio povo em 1932, ao enviar os comissários V. Molotov e Lazar Kaganovitch e o chefe da NKVD (polícia secreta) Genrikh Yagoda para esmagar a resistência de fazendeiros ucranianos à coletivização forçada. A Ucrânia estava isolada. Todas as reservas de alimentos e animais foram confiscadas. Os esquadrões da morte da NKVD assassinavam "elementos antipartido". Furioso porque poucos ucranianos estavam sendo executados, Kaganovitch - em tese o Adolf Eichmann da União Soviética - estabeleceu uma cota de 10.000 execuções por semana. Oitenta por cento dos intelectuais ucranianos foram assassinados. Durante o áspero inverno de 1932-33, 25.000 ucranianos eram executados, por dia, ou morriam de inanição e frio. Tornou-se comum o canibalismo. A Ucrânia, diz o historiador Robert Conquest, parecia uma versão gigante do futuro campo da morte de Bergen-Belsen.

A execução em massa de sete milhões de ucranianos, três milhões deles crianças, e a deportação para o "gulag" de mais dois milhões (onde a maioria morreu) foi oculta pela propaganda soviética. Os ocidentais pró-comunismo, como Walter Duranty, do "New York Times", os escritores britânicos Sidney e Beatrice Webb e o primeiro-ministro francês Edouard Herriot viajaram pela Ucrânia, mas negaram denúncias de genocídio e aplaudiram o que eles chamaram de "reforma agrária" soviética. Aqueles que se levantaram contra o genocídio foram rotulados de "agentes do fascismo". Os governos dos EUA, Reino Unido e Canadá, contudo, estavam bem informados sobre o genocídio, mas fecharam os olhos, inclusive bloquearam grupos de ajuda que iriam para a Ucrânia.

Os únicos líderes europeus que gritaram contra os assassinatos cometidos pelos soviéticos foram, ironicamente e por razões cínicas e de autopromoção, Hitler e o ditador italiano Benito Mussolini. Como Kaganovitch, Yagoda e outros veteranos e oficiais do Partido Comunista e da NKVD eram judeus, segundo Hitler, o comunismo seria uma conspiração judaica para destruir a civilização cristã. Versão que se tornou amplamente aceita por toda uma amedrontada Europa.

Quando veio a guerra, o presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill se tornaram aliados de Stalin, embora eles soubessem que seu regime já tinha matado pelo menos 30 milhões de pessoas muito antes que o extermínio de judeus e ciganos por Hitler tivesse sequer começado. No estranho cálculo moral de extermínios em massa, apenas os alemães foram culpados. Mesmo Stalin tendo assassinado três vezes mais gente do que Hitler, para Roosevelt ele ainda era o "Uncle Joe" ("Tio Joe").

A aliança EUA-Reino Unido com Stalin fez deles parceiros no crime. Roosevelt e Churchill ajudaram a preservar o regime mais assassino da história, para o qual eles entregaram metade da Europa em 1945. Após a guerra, as esquerdas tentaram encobrir o genocídio soviético. Jean-Paul Sartre chegou a negar que o "gulag" tenha existido. Para os aliados ocidentais, o Nazismo era o único mal; eles não poderiam admitir serem aliados de assassinos em massa. Para os soviéticos, promover o holocausto judeu perpetuava o antifascismo e mascarava seus próprios crimes. Os judeus, inexplicavelmente, viram seu holocausto como o único. Foi a "raison d'être" de Israel.

Eles temiam que se divulgassem outros genocídios ocorridos naquele tempo pudesse reduzir a importância do deles. É da natureza humana! Enquanto hoje, a academia, a imprensa e Hollywood concentram a atenção no holocausto judeu, ignoram a Ucrânia. Nós ainda caçamos assassinos nazistas, mas não caçamos assassinos comunistas. Há poucas fotos do genocídio ucraniano e do "gulag" stalinista, e muito poucos sobreviventes. Homens mortos não contam histórias.

A Rússia nunca perseguiu nenhum de seus assassinos em massa, como se fez na Alemanha. Mas todos nós conhecemos os crimes de Adolf Eichmann e Heinrich Himmler, e sabemos o que foi Babi Yar e Auschwitz. Mas quem lembra os assassinos em massa soviéticos Dzerzhinsky, Kaganovitch, Yagoda, Yezhov e Beria? Não fosse o escritor Alexander Solzhenitsyn, nós poderíamos nunca ter sabido dos campos da morte soviéticos como Magadan, Kolyma e Vorkuta. A todo tempo aparecem filmes sobre o terror nazista, enquanto o mal soviético some da visão ou se dissolve na nostalgia.As almas das milhões de vítimas de Stalin ainda clamam por justiça...